Textos

A Entrevista
Estava com quarenta e sete anos, desempregada a alguns meses, fui chamada para uma entrevista. Entrevistas não faltavam, mas quando olhavam para mim, quase cinquenta anos, a fisionomia do entrevistador murchava. Acho interessante a função de entrevistador - tenho a impressão que não leem os currículos à sua frente! Abaixo do nome sempre vem a data de nascimento! Penso que não sabem fazer contas! Lógico, isso não se estende a todos, mas uma grande maioria. Lembro-me de um entrevistador que quando me olhou certa vez, falou “estou procurando uma pessoa mais jovem”, ao que respondi: “então, porque me ligou?” Ficou me olhando com cara de bobo, virei as costas e fui embora. Mas aqui não quero falar sobre entrevistadores que não leem os currículos antes da entrevista, e sim, de pessoas que não respeitam pessoas!

A vaga era muito interessante, e vinha ao encontro de minha experiência profissional – Gerente Administrativo Financeiro. Sim senhor, minha formação acadêmica e profissional, aliadas a tudo que estudei e tudo que trabalhei, além de a vaga ser para o ABC, onde morava, casavam perfeitamente. Experiência administrativa, operacional, trato com pessoas, liderança, tudo isso tinha a meu favor. Enviara o currículo por meio de site de empregos. Ter sido selecionada, já era algo de bom. Ter passado na entrevista por telefone, também já era passo dado. Aí veio o que seria a primeira entrevista com a Headhunter, e depois seria encaminhada para entrevista na empresa.

Entrevista marcada às 13 horas. Janeiro! Pleno Verão! Um calor abrasador, e eu estava sem carro, resultado dos últimos empregos malsucedidos, e também do longo tempo sem trabalhar. Teria que ir de Santo André até a Barra Funda, caminhar por um longo trecho até a Agência, debaixo de sol. Agradeci em pensamento ter feito progressiva no cabelo. Escovei, prendi, pensando soltá-los ao chegar lá. Pus uma calça social e uma camisa branca. Pouca maquiagem para não borrar. Sapatos, minha pasta e fui para o ponto de ônibus. Já começou que o amaldiçoado demorou a passar. Veio lotado. Desci próximo à estação de trem, dois quarteirões de caminhada, e fiquei à espera da composição. A estação é aberta. O sol passa de um lado para outro. Mas tudo certo. Havia me preparado para isso! Desci no Brás, e tomei outra composição até a Barra Fundo. Desci na estação e fui caminhando para o local. Sou capricorniana, organizada, ansiosa por natureza, então planejo tudo com antecedência. Era cedo ainda, fui andando devagar, sempre pela sombra pra não chegar lá transpirando.

Ao chegar, preenchi uns questionários, e aproveitei para ir ao banheiro - já premeditado, para passar uma água nas mãos e me refrescar. Fiquei aguardando mais de quarenta minutos pela headhunter.  Ela chegou, pegou as fichas, falou um boa tarde, entrou em uma sala e ficou conversando amenidades com outras pessoas por mais uns vinte minutos. Depois, veio até a sala onde eu estava, e tranquilamente disse: vamos conversar? Sorri, levantei-me para segui-la. Então a recepcionista informou que a sala de reunião estava livre, ao que ela respondeu que preferia lá em cima. Saímos do ar condicionado por uma porta externa, para o pleno sol de quase três horas da tarde! Foi um choque térmico! Demos a volta ao prédio, ela, por volta de seus vinte e  oito anos, em seu vestidinho fresquinho, de sandalhinhas, e eu, em cima dos meus quarenta e sete anos, pré-menopausa, precisando desesperadamente de um emprego, paramos em meio ao pátio, pois ela queria trocar algumas palavras com alguém que passava. Nisso senti as primeiras bagas de suor escorrerem pelo meio das costas.

Não satisfeita, convidou-me a subir uma escada íngreme, externa, que dava no pavimento superior. A essa altura, a parte superior do lábio já estava gotejante. Os cabelos soltos, na altura dos ombros já grudavam no pescoço. Entramos em uma sala, e havia uma assistente que se ofereceu para ligar o ar condicionado. Ela não aceitou. Disse que estava bom, e me convidou a sentar em uma cadeira, de costas para a janela de vidro, onde batia o sol do meio da tarde! E não havia alternativa! A outra cadeira, ela, bem mal-educada, já havia ocupado. Naquele momento eu desisti da entrevista! Não saí de lá por pura vergonha, mas aquela menina, mal preparada, sem respeito nenhum por seu semelhante, estava se divertindo com aquela situação.

Enquanto ela soltava suas perguntas, claramente sem saber o que um profissional da área faz, lendo um script, as gotas de suor desciam pelo meu rosto. Procurei um lenço na bolsa, e só encontrei um de seda que prendia os cabelos. Com ele mesmo tentei secar o rosto, sem muito sucesso. Respondi todas as perguntas, detalhei minha vida profissional. Falei da experiência, inclusive complementar em informática. Nesse ponto ela disse que eu deveria fazer dois testes. Entregou-me um e disse que iria buscar outro. Estoicamente respondi o teste e aguardei. Depois de um bom tempo, ela voltou, agradeceu e disse que era só aquilo mesmo. Que entraria em contato.

Lógico que nunca entrou em contato! Oito meses depois fui trabalhar em outra empresa, fazendo um outro tipo de trabalho, por pura necessidade! Não fora somente aquela entrevista! Muitas outras vieram! E em todas elas havia motivos para que eu não fosse contratada. Sempre as mesmas razões - ter mais idade do que queriam. Nunca mais voltei para minha área profissional. Procurei seguir o útil e possível, não mais o que eu planejara para minha vida, mas o que me era oferecido. Daqui poucos meses completarei dez anos na mesma empresa. Aquela que me abrigou quando ninguém mais me aceitava! Aquela onde sou útil, onde as pessoas não olham para minha idade e sim para minha competência!
Fátima Batista
Enviado por Fátima Batista em 12/02/2021
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